sábado, dezembro 03, 2016

Mesmo sem estar

Eu tô sempre aí, moreno. Do café da manhã, no qual agora vai açúcar ao invés do adoçante que costumava estar na tua bebida, à hora de dormir, quando vai deixar a TV ligada porque também acostumou a dormir assim.
Já fazem meses e, mesmo assim, eu sei que ainda estou aí. Não é preciso ser um gênio para ver, mesmo que eu sempre tenha notado mais que a maioria das pessoas. Desde o momento em que tomou a decisão de sair com ela, ao pedido de namoro. Vou estar aí em cada manhã chuvosa e toda a vez que o box embaçar. Ah, eu vou, rapaz.
Por mais que doa não só em você, já que deixei tanto de mim. Meses após o término, eu ainda rio ao lembrar que não gostava do fato de pisar no carpete do quarto usando sapatos. E que, de forma alguma, usava meu shampoo feminino. É, moreno, você também está aqui, em cada pedacinho das coisas que amo, e ainda mais nas que odeio. Já que agora eu costumo colocá-lo nessa última coluna, mesmo que minha mãe tenha passado a vida inteira dizendo que a linha entre amor e ódio é tênue demais.
Entretanto, enquanto estiver na coluna dos que odeio, estará tudo bem, sabe? Eu guardo muita coisa que odeio. Uma blusinha que odeio, um sapato que odeio, uma bijuteria que quero jogar fora, mas não jogo. Porque, hora ou outra, quero usar. Dá saudade, ou tem valor sentimental. Ainda não sei em qual dos três você se encaixa, cara, mas é possível que transite entre os vários e ainda outros.
Eu sinto que estou ali toda vez que o vejo com a barba mal feita, cruzando a rua aqui perto. Nunca gostou de deixá-la assim, mas agora a frequência com que o vejo de tal forma, é grande. Por descuido ou não, isso é algo que nunca vou saber. Soube mais ainda que estava presente, naquele dia de temporal, em que apareceu na livraria para comprar uma obra que eu nem sei se existe, bem no meu horário de saída. Chovia muito e eu nem tinha guarda-chuva.
Confirmei no instante em que, automaticamente estendi o braço, liguei o rádio do seu carro e congelei por um momento: minha playlist, aquela que eu dizia narrar minha vida –talvez eu tenha dito algo como “nossa vida”, naquela época. Estava na metade da quarta música, aquela que sempre me fazia pular porque era “melodramática demais, imagina se algum amigo meu ouve isso?”, eu ria, e pulava.
Eu soube quando, ao invés de dar tchau, eu quis ficar. Ficar com um cara que está na coluna de “odeio”. Ficar com alguém cujo tempo já tinha acabado. Ficar com o homem que me levou aos céus tão rápido quanto caí no chão. Eu quis fechar a porta do carro e dizer “precisamos conversar sobre isso”. Mas não foi o que fiz. Eu sorri amigável, agradeci a carona e fechei a porta. Abanando do Hall de entrada até não avistar mais o carro.
Depois corri pra chuva, moreno. E cada gota gelada que batia na minha pele, era um choque. Era um grito no silêncio dizendo que eu precisava deixar ir. Que eu continuaria ali com você, e você aqui, mas que não éramos mais um do outro. Era tempo de recomeço e eu deveria amá-lo tanto quanto ao antigo.

Deveria seguir em frente, ainda que eu sempre estivesse contigo, mesmo sem estar. 


— Bruna Barp



OBS: O texto em NADA tem a ver com a vida pessoal da autora. A situação e personagens são apenas fictícios. 






Foto: We heart it

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