Eu cansei de deixar o frio lá fora me invadir. Cansei de
deixar o frio dos outros se instalar em cada pedacinho desse meu corpo coberto
de rachaduras. Cansei de deixar que o fora
esfriasse o dentro. E sim, eu tenho
plena consciência de que o dentro é feito de foras. De que não posso compor
nada aqui sem influencia do lá.
Então aprendi. Aprendi que a forma de olhar as coisas muda
tudo, e que eu poderia ver poesia sempre. Há poema nas praças da cidade,
cobertas por folhas e pétalas de flor. Há poema num ônibus lotado, onde cada um
está a caminho de um sonho –ou do meio para chegar a ele. E se tem poema, tem calor. Eu aprendi que,
quando bate um vento no rosto e bagunça meu cabelo, é opção minha encarar de
mau-humor –porque estou descabelada, ou sorrir e aproveitar os cabelos
esvoaçantes.
Foi com o tempo que aprendi a não ligar se chover e eu
estiver sem guarda-chuva. Eu posso esperar o tempo acalmar enquanto assisto
diversos gestos banais de amor, que passariam despercebidos se eu estivesse na
pressa em que me encontro todo o dia. Ou há uma segunda opção: me aventurar
nessa chuva limpinha, de água fresca, que lava o rosto e refresca a alma –é claro
que preciso ir direto para casa após isso.
Portanto lá fora está frio, as pessoas caminham depressa,
tropeçando nos olhares dos outros sem mesmo ver. Uma mala de viagem choca-se
com outra bolsa, mas ninguém para a fim de desculpar-se –não há tempo. As vozes
irritadiças, nervosas e muitas vezes impacientes, falam para o celular, onde
outra pessoa no mesmo estado de espirito, responde. E o ciclo não tem fim. É
uma correria danada.
Não estou mais acostumada, nem quero.
Faz frio lá fora, mas aqui dentro está quente, meu bem. Está
quente porque eu aprendi a ouvir “adeus” sem dar adendos à palavra. Eu aprendi
a ouvir “não” sabendo que não tem volta, e partir para a próxima. Eu aprendi
que teu amor foi muito, mas não foi tudo. Teu frio tentou entrar, bateu na
porta, tocou a campainha, mandou flores; eu não deixei. O frio das pessoas que
me lançam olhares hostis por caminhar na rua apreciando a paisagem, ao invés de
correr por ela focando uma porta automática, também não me afeta.
Foi o tempo em que me deixava afetar. Mas agora não, agora
aqui dentro está quentinho. Está quente porque eu me tornei expert em seleção –apenas coisas quentes
são bem-vindas. Chocolates quentes, abraços quentes, corações quentes.
O frio lá fora é natural e até belo, faz parte das estações.
Mas aqui dentro? Ah, aqui dentro não combina com nada. Nem com minhas unhas
vermelhas, nem com o fogo da lareira, muito menos com esse coração derretido.
O frio aqui não é bem-vindo, e partir de agora, eu só
transbordo se for quente.
— Bruna Barp
OBS: O texto em NADA tem a ver com a vida pessoal da autora. A situação e personagens são apenas fictícios.
Foto: We heart it
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