domingo, março 20, 2016

Tua aposta

Meses pra reparar que, certo dia cê acordou cansado de beijar tantas bocas diferentes e nunca ter um perfume familiar para onde voltar, e decidiu que ia tentar. Sair de casa e, ao invés de juntar os amigos para beber, entrar no primeiro café que tivesse no caminho. E era lá que eu tava, né rapaz? 
Ingênua, mal percebi o sorriso fácil que seus lábios distribuíram aos meus olhos, que, traíram a mim mesma e sorriram de volta. Porque você sabe, moreno, a gente não precisa que os lábios mudem a forma para sorrir, os olhos são tão mais competentes nessa tarefa que fizeram sem que eu percebesse. 
É, moreno, intercalando os olhos entre os teus e o jornal do dia, tomando cuidado para equilibrar a xícara de café na outra mão, foi que cê tomou coragem e veio. Veio até mim com aquela sua bagagem repetitiva que você não queria, jogou-a na minha mesa com a maior cara de pau, e eu, tola, não soube ler tudo aquilo. Mas eu sou abraçar, moreno, ah, isso eu soube. Abracei toda tua bagunça desalinhada, cheia de prós e contras que eu sequer tentei medir... Acho que, no fim, eu fiz mais que isso. Não foi apenas abraço, moreno, foi encontro. 
Foi encontro todo o dia enquanto eu ainda tentava me organizar na sua bagunça, ignorando qualquer protesto que meu subconsciente fizesse. O problema não era só eu não ser adepta à bagunça, era o fato de sua bagunça não ser minha. Eu não tinha de acolher aquele amontoado de problemas não-resolvidos e perguntas sem respostas para mim, muito menos catalogá-los e dividir em pastas. Mas o fiz. O trouxe para mim porque acreditei na sua escolha, e pensei comigo mesma: bem, se meu coração o escolheu, o mínimo que devo fazer é ajudá-lo com essa bagagem toda. Já que, sabe, não há lugar para bagunça no meu coração. 
Eu te escolhi, moreno, mas não fui a escolhida. Eu fui o acaso, a coincidência, a pessoa errada na hora certa. Podia ter sido eu, a ruiva na mesa próxima, ou aquela atendente do café com armação do óculos alaranjada. Podia ter sido qualquer uma de nós, moreno, e você teria jogado toda sua porcaria em quem fosse, esperando que essa pobre moça tomasse as decisões por você, ou melhor, decidisse dar um rumo às suas incontáveis interrogações. 
Ah, meu caro, eu sinto tanto por mim. Sinto tanto por ter reparado quando já não era mais possível separar suas bagunças catalogadas de minhas certezas intituladas... era tarde de mais, moreno, eu havia acolhido tanto, que já não éramos mais heterogêneos. E olhe só, como se eu soubesse falar de química ou qualquer outra ciência exata. 
Eu fui uma aposta, moreno, uma aposta sua consigo mesmo de que conseguiria passar mais de uma semana com o mesmo perfume e a mesma textura de lábios. Foi uma aposta que eu perdi sem mesmo estar no desafio, e você, ah, é claro que ganhou. Me ganhou. Me ganhou sem sequer querer. Me fez te escolher quando você só esbarrou em mim. 
Agora, com tanto esforço quanto pude reunir, foi que retirei tua bagunça das minhas certezas, mas estou certa de acabei esquecendo algumas. Um pouco da tua bagunça fica comigo, moreno, e um pouco de minha certeza deve ter caído sem querer no meio da tua mixórdia. 
Cuida delas, moreno, enquanto eu vou seguir tentando tornar a bagunça que me restou, em certezas. Um dia elas serão, é claro. E, por favor, tenha muita atenção na próxima vez, rapaz, eu fui tola, mas as pessoas não costumam ser. 
Eu fui só uma aposta de você consigo mesmo, e, moreno, às vezes a ficha demora a cair, a minha acaba de despencar.

— Bruna Barp



OBS: O texto em NADA tem a ver com a vida pessoal da autora. A situação e personagens são apenas fictícios. 



Foto: We heart it

4 comentários:

  1. Nossa!Adorei o texto,muito bem escrito e tem uma fala intimista que prega a gente a cada linha.
    Muito bom.
    http://blogdamirez.blogspot.com/

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  2. Adorei o texto! E que blog mais amor!! <3
    Parabéns!
    Um beijo.
    www.viajantediaria.wordpress.com

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